CRIANÇAS QUE LÊEM



Há muito tempo quero escrever sobre a importância de se estimular o gosto pela leitura nas crianças, pois considero preponderante no processo de construção de uma sociedade consciente de seus direitos, da importância da cidadania e do acesso e interpretação da informação. Dentro da Biblioteconomia, a linha de pesquisa sobre a formação de leitores e o incentivo à leitura são as áreas que mais me cativam.

E, sendo bibliotecária, me dou a ousadia e autoridade de abordar este assunto neste espaço que criei com intuito de dar pistas de que a leitura e os livros, também ajudam na compressão de problemas pessoais e sociais, para além de que abre espaço para que cada um interprete todas estas questões a partir de várias visões e cada um busque soluções próprias. 

Muitos de nós da geração 1980 e 1990, não tivemos a possibilidade e estímulo de nossos pais, familiares e da comunidade para que cultivássemos o gosto pela leitura ou pela arte. A história do nosso país mostra alguns motivos pelos quais isto não foi possível: a pobreza, a fome, a falta de instrução escolar de nossos pais etc….

Esta realidade continua a ser a mesma nos dias atuais, pois é claro que grande parte da sociedade não tem ainda acesso a recursos básicos que possam garantir uma vida condigna, mas mais do que isso, acho também que não exercitamos a leitura por falta de prática, mesmo hoje havendo noção da importância dela.

No entanto, o que mais me intriga é que a televisão está presente para entreter as crianças através de bonecos animados, cortando, de alguma forma, a criatividade das crianças. Para melhor elucidar esta criatividade que está a ser desestimulada, vou contar uma pequena história, e de seguida farei pequenas perguntas reflexivas e de criação:

Naquele dia, o céu brilhava, talvez anunciava a vitória da Stemba, que há muito lutava para vencer o câncer. Finalmente, ela podia volta para sua casa – entra pela porta e perfuma com sua fragrância a casa que já sentia saudades da sua presença.


A partir desta pequena história sobre a Stemba, convido a si, caro leitor, a descrever ou a criar as vestes da Stemba, a cor da porta da casa da Stemba e a fragrância da Stemba.

Aposto que cada um de nós, de acordo com sua imaginação criou e pintou a Stemba da sua forma, definiu que características e cheiro ela devia ter, logo, as atribuições que eu fiz são diferentes das suas – isto é o que compõe o processo criativo.


Por outro lado, a mesma história, se for contada a partir da televisão – e neste caso, trazendo-a à criança – apresenta uma Stemba já anteriormente construída e sua realidade já atribuída. A única coisa que se pode criar, e que muitas vezes, não há nem tempo de pensar nisto devido a sequência de imagens, é o cheiro da Stemba

Não quero com isso dizer que a televisão não seja importante – claro que é; mas acredito que quanto mais expomos a criança à televisão e sem a devida mediação, viveremos com a cabeça na lua e os pés na lama (Milanesi).


As festas (mesniversário, semestriniversário e aniversario), que são celebrações “capitalistas”, que também considero importantes por serem uma linguagem de amor ou representação de amor para com os nossos filhos, poderiam ser aliadas à promoção do livro para os nossos meninos. Podíamos, de igual modo, estimular a criança a celebrar o livro através de letras de borracha, livros que contam uma história a partir de desenhos etc… sempre olhando para idade da nossa criança. Já pararam para pensar no assunto?

Tenho noção de que o livro é caro no nosso país, mas na minha ótica, a festa também ficou muito cara. Neste caso, cabe a nós definir que serviços para a festa não pagaremos em prol do livro, da construção da criatividade e do desenvolvimento cognitivo dos nossos filhos.

Eu estou convicta também de que o tempo para contarmos histórias e ler com eles e para eles é escasso, mas ainda assim, acho que vale a pena encontrar este tempo, fazer este esforço e exercício, pois criar um filho é um investimento a longo prazo. E a criação de uma sociedade com noção de cidadania parte, também,   da ativação da criatividade e da formação de leitores.

Não há garantias de que no futuro, nossos filhos serão leitores e esclarecidos, porém, sabemos que filho é um projeto em que investimos tempo; sentimento; emoção e dinheiro, sem que haja uma garantia de retorno. Se tivesse que existir retorno, este poderia ser representado pela integridade, honestidade, inteligência, ou seja, qualidades que gostaríamos que eles tivessem para que fossem felizes e construíssem uma sociedade justa. No entanto, mesmo sem essas garantias, nós investimos.

O que acham de formamos crianças que lêem? Acredito que é um projeto que pode gerar bons frutos. Mia Couto chama-nos “Geração Android”, aquela que procura dar tudo que não teve aos filhos. E concordo com ele, pois nós não tivemos a metade do que estamos a oferecer às crianças em bens, emoções, fotos, sentimentos e coisas materiais. Mas por que não procuramos dá-las o livro?

Na minha ótica, o presente e o futuro são tempos que decorrem em simultâneo, então acredito que é nosso dever pensar se continuamos a perpetuar o que vivemos ontem e hoje, ou fazemos alguns ajustes para que nossos filhos e netos experimentem uma educação e estímulos diferentes dos que nós tivemos.

Bill Gates disse: “Meus filhos terão computadores, sim, mas antes terão livros. Sem livros, sem leitura, os nossos filhos serão incapazes de escrever – inclusive a sua própria história.” E Chimamanda também disse: “Se for possível, pague o seu filho para que leia, pois nalgum momento ele aprenderá a gostar e no futuro ele te agradecerá.”

(UFFFF…..Acho que finalmente consegui escrever sobre o assunto… esta é minha visão como bibliotecária que considera a leitura uma terapia de consciência para a sociedade.) 

 


Comentários

  1. Oi Delfina vamos sim investir na leitura nos nossos filhos para que tenham mentes saudáveis e não tóxicas e vazias; para que se tornem seres do saber; para que saibam sobrivever e viver num mundo replecto android onde as pessoas são mais máquinas que humanas.

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    1. Ola leitor.... Precisamos investir mesmo neles. E. Mudarmos o rumo narcisista e tóxico em que estamos a viver. Pior são as condições políticas e sociais do nosso país. Não há como mudar isso, se não mudamos a forma como fomos e estamos a educar as crianças.
      Obrigada por comentar aqui no blog

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  2. Olá Delfina, concordo contigo. quem dera que todos pensasse que nem você, espero que isso ajude a muitos pais.

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    1. Caro leitor... Precisamos mesmo partilhar outras visões para que possamos evoluir como pessoas e sociedade. A formação de leitores é um caminho para uma sociedade que conhece seus direitos

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  3. Saudações profª

    De facto é muito positivo está observação, visto que é um tema fundamental para a construção de um futuro melhor.

    Todavia, hoje em dia são poucos encarregados que preocupam com seus filhos a estimular o gosto pela leitura.

    Portanto, na qualidade de sermos profissionais da informação é o nosso dever promover estes valores....

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    1. É isso Tawanda sem leitura, não há futuro nem evolução. Quem escreverá nossa história senão nós?

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  4. De modo a protegermos estes valores. Creio que assim for estaremos a contribuir de forma positiva...

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  5. Olá Dra Delfina, estás de parabens, a incentivar a leitura para as crianças,eu vou implementar para as minhas.

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    1. Ola.... Pode me tratar por Delfina apenas (risos).. Vamos a isso. Se queremos um futuro melhor precisamos construí-lo

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  6. Saudações! Quero partilhar uma história ligada ao assunto do texto sobre as *Criancas que Lêem.*

    Durante o período de infância fui muito FAM de desenhos animados(arisco a dizer que até hoje sou), quando eu completei os meus 16anos conheci um amigo muito especial chamado Giotto Vassoa- ele também gostava de desenhos animados mas havia uma diferença entre eu e ele na altura: ele gostava de ler manga para descobrir o que ia acontecer nos capítulos seguintes e que por consequência disso acabou me influenciando a entrar nessa onda.

    Tempos depois já estava a viciar-me a ler o manga porque queria saber o que ia acontecer nos capítulos seguintes (nessa altura tínhamos dois desenhos animados favoritos, o Bleach e o Naruto). Então em meio de tantas conversas sobre animes meu amigo elaborou uma banda desenhada eu também fiz o mesmo, sem eu estar a me aperceber comecei a ler muito sobre manga e fazia rabiscos no meu caderno.

    Mais tarde comecei com uma nova moda: escrever pequenos poemas no final do caderno, fazia isso principalmente quando me apaixonava com uma Menina da escola. A coisa foi desenvolvendo até começarem a me emprestar livros e eu ia lendo os que conseguia...

    Tanto tempo depois dessa experiência dê-me conta que estava escrever tanta coisa, quando uma amiga me levou a Remar(Centro de Reabilitação para Dependentes Tóxicos) e usou o meu texto que fala sobre o vício e a liberdade para ler numa roda com pessoal que estava lá internado- um deles levantou e disse: preciso desse texto, quero ler sempre que quiser renovar a minha luz!

    Quem é o autor?
    - Eu levantei e tece poucas palavras, bem poucas mesmo! depois disso ele me abraçou e os outros aplaudiram(parece que o título de escritor que nem eu mesmo me compreendia desse jeito, nasceu naquele dia).

    Ganhei amigos naquele lugar porque fui mais vezes e eu queria ouvir a história deles e perceberem como pararam ali(aquilo me deixou com uma grande paz de espírito).

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    1. Olá Edilson, hooo muito obrigada por partilhar connosco essa história real sobre o ser leitor. Sim é verdade partindo daquilo que a criança gosta corremos o "risco" de formar um leitor, escritor e talvez cientista... Meus parabéns por poder fazer de seus escritos um incentivo e luz para quem precisa encontrar o sentido da vida.
      Juntos por uma sociedade que leia inventa suas próprias histórias

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  7. Para mim a leitura deve ser activada na criança apartir de algo que o diverte...

    Eu em particular, os desenhos animados me abriram novas portas porque eu também queria elaborar uma história que tivesse haver com minha realidade para poder entreter os outros assim como os japoneses fazem e sem querer acabei desenvolvendo outras habilidades e isso foi de forma divertida... E hoje a coisa ficou séria...

    Gosto de Fotografia para me inspirar

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