QUEM DISSE QUE A PRINCESA TEM QUE SER APENAS A SOFIA E TER OLHOS AZUIS?



Há alguns dias, um amigo enviou-me um vídeo sobre racismo, em que crianças negras diziam não gostar de ser negras e que preferiam ter nascido com pele branca. Discutimos sobre o assunto sem chegar a uma solução ou formas de colmatar o desgosto que muito negro tem de si.

A partir da discussão, comecei a pensar em escrever sobre o assunto, olhando o contexto moçambicano. Me surgiram inquietações que acredito que tenham a ver com o desamor infantil sobre o ser negro, e no nosso contexto é mais visível quando chegamos a adolescência.

Por que expomos nossas crianças somente a princesas de TV que sejam Sofia ou Elisa com cabelo liso e olhos azuis? Por que consideramos como castelo a casa da princesa Sofia, e não de igual modo a palhota de minha vovó?

Quero acreditar que muitos adultos que viram tal vídeo ficaram revoltados e assustados, uma vez que aquelas crianças mostravam não ter uma identidade negra e, consequentemente, tinham falta de amor próprio. No entanto, este é o grande problema, (até de nós que já somos crescidos): crescemos e continuamos sem ter essa identidade, talvez por falta de referências que nos ajudem a construí-la.

Por causa disso e de outros fatores, definimos como padrões aceitáveis e de beleza aquilo que se aproxima da raça branca: muitos(as) clareiam a pele, alisam o cabelo etc…, sem primeiro pensar no sentido destes processos.

Não estou a considerar ou classificar tais procedimentos como bons ou maus, estou apenas a tentar pensar no significado, porque dizer que o cabelo crespo doi e é duro, e que a pele mais escura é feia e menos aceitável dentro dos padrões de beleza (africanos e intercontinentais) não são na minha visão, respostas que resolvam o real problema.

Para mim é controverso que nós nos assustemos quando crianças repudiam sua cor de pele se, desde cedo, as ensinamos que as princesas são as “Sofias” que têm pele branca, olhos azuis e que brincam na neve.

Deixamos as crianças emergidas nesses castelos fantásticos sem mediação e recordação de que a Ntsumi, a Tsinga, Stemba e a Lindiwe são também princesas, e elas têm cabelo crespo, pele negra, lábios grossos, olhos castanhos e que vivem em castelos feitos de barro e caniço.


Talvez dirão que o mercado não deixa espaço para a construção de uma identidade negra. Sim, é verdade e concordo, mas qual é o trabalho que estamos a fazer em casa para ensinar as nossas crianças que a sua cor de pele e o cabelo crespo é bonito, e que o castelo da Sofia não é a única referência encantada?

Minha sobrinha pediu-me que eu a levasse para passear na neve (ela já sabe como é a cor da neve e a temperatura, isso é muito bom), entretanto, eu gostaria, também que ela construísse, imaginasse e pintasse sua própria neve a partir das suas referências, identidade e realidade.

Como mostrar as crianças que as princesas e os príncipes não precisam ser somente como a Sofia de olhos azuis e cabelo liso e loiro?

Minha proposta é que comecemos a inventar estórias de princesas e príncipes africanos e negros para contar às nossas crianças.

Estou convicta de que produzir estas estórias a partir da televisão pode ser caro e difícil. Neste caso, se não dá para contar a partir de desenhos animados, que escrevamos contos fantásticos sobre princesas, príncipes e castelos africanos; talvez assim, para além da Sofia que elas assistem, poderão construir outras narrativas encantadas que não sejam somente ocidentais e orientais. É preciso que se construa desde cedo a afirmação, aceitação e autoestima de ser negro, e um diálogo de convergência entre culturas e raças.

Infelizmente ninguém fará isso por nós, senão nós. Aproveito recordar que, para
contarmos e inventar estórias para crianças, não precisamos necessariamente de ser escritores; nossos avós, sem ser escritores e instruídos, contaram-nos estórias lindas usando a oralidade. 


Comentários

  1. Saudações profª

    Boa análise se nós não autoestima de nós mesmos quem terá por nós? É preciso de facto, de amar a nossa cor e daquilo que somos. Este é o resultado da geração android, que preocupam com assuntos banais

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    1. Olá Tawanda, pois é... Precisamos ter autoestima e orgulho por sermos quem somos

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  2. Ola Delfina, tenho visto suas publicações. Dizer que com esta em particular me identifico, porque fico chocada com exigência de padrões de beleza que a sociedade nos impõe.

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  3. Ola Delfina, tenho visto suas publicações. Dizer que com esta em particular me identifico, porque fico chocada com exigência de padrões de beleza que a sociedade nos impõe.

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    1. Olá.. Obrigada por acompanhar as publicações. Acho que somos muitos indignados com a situação. Precisamos mudar isso, há outros castelos a serem explorados

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  4. Ola Delfina, tenho visto akgumas das suas publicações. Maria é quem passa para mim. Dizer que com esta em particular me identifico, porque fico chocada com exigências de padrões de beleza que a sociedade impõe. Saber que não to sozinha nessa me alegra

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    1. Olaaa... Hoba muito obrigada por acompanhar as publicações do blog. Pois é, parece que não sou a única com esta inquietação.. Precisamos despadronizar, e sermos quem somos. Negros, crespos e com olhos castanhos.

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  5. É preciso nós aceitarmos.

    E isufruir da cor linda que temos. Do cabelo crespo,que hoje em dia está em alta.


    Nos dias de hoje é lamentável ver como algumas mulheres não aceitam as suas identidades, pôr sua vez isso influência na crença da criança, e acaba negando-se a si mesmo.

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    1. Sem dúvidas Siena, não há quem seja melhor que o outro, somos todos iguais... Precisamos amar quem somos

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. Saudações.
    Concordo plenamente com a forma como apresentou o seu ponto de vista, dizer que muitos de nós partilhamos o mesmo. Talvez a definição de castelo não seja bem recebida quando é construída por materiais afros, então é chegada a hora de nós como africanos reecriarmos a nova definição, conceituando-a na tradição "bantu",destacando o facto do "lar ser aonde está o coração". De facto a sua proposta é uma solução bem pensada e de fácil maneio, sejamos nós narradores de nossas próprias histórias, desenhemos no nosso jobre papel uma família real cor a cor de pele pintada a negro. A sociedade fazemos nós, e é responsabilidade de cada nacional levantar a sua bandeira, África is not a jungle.

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    1. Ola Cleyde, obrigada por partilhar conosco esta reflexão muito interessante... É isso África não é uma selva. Pensar em dar outro sentido e atração à nossa história é mais do que necessário porque vemos que o capitalismo, o racismo está a destruir a identidade dos povos que talvez não tenham como exportar sua cultura e isto causa esta crescente violência e intolerância que estamos a viver. Precisamos construir nossos próprios castelos Afro

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  8. Na minha opinião: o cinema, a literatura, a música e outras diversas formas de expressar a arte tem muita influência para a construção de uma identidade cultural. Eu penso que nesta altura que África se encontra, precisamos de uma acção mais forte e criativa por parte dos intervenientes da cultura porque é desta criatividade que permite explorar mais história e sua beleza.

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    1. Sem dúvidas Edelson, está tudo interligado e relacionado, é um trabalho que deve ser colaborativo, cada um a fazer a sua parte... Precisamos construir e reforçar esta identidade negra

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  9. E tudo aquilo que as crianças vão querer será fruto do que elas vê... Penso também que,como forma e prática de cidadania, cada um de nós pode se responsabilizar por transmitir a todos aquilo sabe fazer que esteja ligado aos valores africanos porque no final de tudo a construção da cultura depende de todos...

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