Sombras do Sonho Europeu: coisas não contadas sobre a imigração
Shema e Olum
são um casal de jovens nigerianos que, movidos pelo sonho europeu, decidiram
migrar para a Espanha. Para quem acompanha as notícias das imigrações massivas
para este país, sabe o quanto o mar atlântico engole os sonhos de tantos e
muitos africanos que, movidos pela coragem, enfrentam a fúria do mar atrás de
um sonho incerto.
Shema e Olum
tentaram várias vezes essa travessia sem sucessos. No entanto, num momento e
num dia, DEUS respondeu a esta prece. Desta vez, o casal não levava somente o
sonho de um país europeu, mas também uma criança de 2 anos consigo, que nasceu
no meio de desertos e mares.
Já em Ceuta e
buscando a vida, Shema se viu grávida, desta vez de uma menina. Neste momento,
Shema e Olum se tornariam pais pela segunda vez, de uma menina a quem deram o
nome de Xhuria. Enquanto Xhuria dava seus primeiros passos, Shema e Olum iam se
afastando, até o momento em que ele engatou outra relação e abandonou Shema com
duas crianças para criar num país que ainda era desconhecido.
Shema não
aceitava o abandono, mas, assim como toda mãe, continuava viva pelos seus
filhos. Sem tempo para parar e chorar, Shema via seus filhos crescendo e ao
mesmo tempo fazendo suas travessuras de criança, que na nossa cultura africana,
se corrigem com tapinhas no rabinho.
Outra vez,
nesta de corrigir, Shema se excedeu e deixou marcas nas crianças que foram
interpretadas pelos professores das crianças como violência contra menores,
motivo para chamar a segurança social. Foi assim que Shema perdeu a guarda das
crianças.
Perder a guarda
das crianças significou para Shema um segundo abandono, mas pelo menos era
consolada pela possibilidade de poder visitar seus meninos no abrigo de menores
aos finais de semana. No entanto, o pior pesadelo de Shema ainda estava por
vir.
Após 5 anos,
Olum decidiu regressar a Ceuta, e como prêmio, a segurança social passou a
guarda das crianças para ele. Olum já era experiente em engatar
relacionamentos, não demorou até conhecer outra mulher e decidir, mais uma vez,
ir embora de Ceuta, desta vez com as crianças, deixando para trás Shema e
forçando-a a lidar com um terceiro e mais profundo abandono. Shema se viu
vazia, sem marido, família e seus filhos.
Chegando a
Tenerife, após 1 ano, Olum não aguentou a responsabilidade de cuidar de duas
crianças e abandonou-as mais uma vez. Nesta altura, a mais nova Xhuria com 6
anos e Chisso com 8 anos. As crianças foram mais uma vez integradas em um
centro de menores, e tiveram de se criar neste ambiente. Xhuria e Chisso, sendo
duas crianças negras, tiveram de lidar com as questões existenciais de serem
crianças, adolescentes e negros em um país de brancos.
Hoje, Xhuria,
já com 18 anos, e Chisso, com 20 anos, são dois jovens que carregam as dores de
uma infância difícil e sem amparo. Estas dores são visíveis na forma como
reagem às suas próprias dores: Xhuria, ainda que bela, tem de lidar com uma
depressão que tem sua gênese nos abandonos vividos desde a infância e se
acumula no não saber sequer de onde é, já que, por ser negra, tampouco pode
dizer ser espanhola, mesmo tendo nascido na Espanha.
Por outro lado,
Chisso se tornou um jovem agressivo, que resolve tudo na base do grito e que
não aceita a sua negritude, porque acredita que se tivesse nascido branco
poderia não ter passado pelos seus maus bocados. Chisso, mesmo sendo negro, tem
vergonha de o ser.
Hoje, estas
crianças feridas que se tornaram adultos, crescem com dores que não são capazes
de suportar, mas vão seguindo a vida sem saber onde estão seus pais.
No meio de tudo
isso, pergunto-me: afinal, de quem é a culpa deste sonho europeu que minou e
mina a vida de duas crianças inocentes? Como estas crianças, que se tornaram
adultos feridos, vão dar sentido a estas dores?
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