Cabelos da Diáspora: Laços de Esperança e Identidade

 


Sendo já jovens e fora do centro de menores, os dois irmãos Xhuria e Chisso, levam duas vidas diferentes, a Xhuria sempre teve claro que a educação talvez fosse uma válvula de escape mais próxima para não se perder num mundo que mesmo tendo aprendido na escola como é construído historicamente, o desconhece, por ter sempre de responder de onde é, e quando diz que é espanhola, sempre a retrucam porque os espanhóis são brancos e não negros, e ao mesmo tempo, ela nem sequer pode dizer que é nigeriana, pois não tem nenhum vinculo em memoria, sentimento e nem em cultura com a Nigéria.

 Ao ter a educação como seu escape, a Xhuria conseguiu ingressar na universidade de Córdoba para cursar Economia, e este ganho, foi como um raio de sol em meio às tempestades de sua vida, porque sendo bolseira também teria um teto garantido.  O seu primeiro ano de facultade é como um vislumbre, um mundo por descobrir, e para a sua sorte, a residência a colocou uma menina negra para dividir o quarto, a Rindzela.

Rindzela é uma jovem negra moçambicana que está na Espanha a estudar um mestrado em Cooperação Internacional, e diferente da Xhuria, tem sua autoestima e identidade negra bem resolvidas, já que vem de um país onde não se discute racismo, mas sim desigualdade social.

Logo no primeiro momento, Rindzela e Xhuria se conectaram através de um olhar de quem procurava uma na outra uma África perdida dentro de seus corpos, uma por nunca ter vivido esta Africa, e outra por querer encontrar esta África e negritude fora do seu país.

Depois de conhecer a História de abandonos da Xhuria, a Rindzela percebeu muito bem qual seria a sua missão naquele quarto e naquele momento. Ela percebeu que precisava ser uma referência para a Xhuria, que pelas adversidades, teve de crescer sem se quer saber de onde era e nem mesmo de como cuidar as suas marcas negras que se manifestam através do seu tom de pele e seu cabelo crespo.

Xhuria desconhecia até mesmo como cuidar do seu próprio cabelo crespo. Rindzela, mais experiente e consciente de sua identidade africana, começou um processo de ensino e apoio, não apenas na questão capilar, mas também no cuidado e orgulho de ser uma mulher negra.

As tramas e entrelaçados que Rindzela fazia no cabelo de Xhuria não eram apenas estéticas, mas uma conexão entre duas Áfricas que, de alguma forma, se encontraram na diáspora. O cuidado com os cabelos tornou-se um ritual terapêutico, uma maneira de fortalecer os laços entre duas irmãs que não tinham uma relação de sangue, mas partilhavam uma jornada única.

Enquanto as aulas avançavam na universidade, Xhuria lutava contra os resquícios de sua infância carente de atenção e correções necessárias. Seu rendimento acadêmico era afetado por vícios adquiridos ao longo dos anos. Mesmo sendo incrivelmente inteligente, Xhuria enfrentava dificuldades em concentrar-se nas tarefas.

Quando chegavam as avaliações, o pânico tomava conta de Xhuria. Todas as doenças que acumulou por falta de afeto e cuidado ressurgiam: alergias, asma, dores de barriga, e a depressão tornavam-se um fardo pesado a carregar. Essas aflições faziam com que Xhuria não conseguisse sair da cama para enfrentar as provas de Economia, um curso que ela escolheu com base em sua paixão e talento para números.

Nesse cenário complexo, Rindzela tornou-se o pilar de apoio, incentivando Xhuria a buscar ajuda profissional para superar os traumas e as dificuldades emocionais. Juntas, elas construíram um vínculo que transcendeu as dores do passado, proporcionando a Xhuria a força necessária para enfrentar seus desafios acadêmicos e emocionais. Este capítulo da vida de Xhuria, marcado pelo encontro com Rindzela, seria uma reviravolta crucial em sua jornada rumo à superação e autodescoberta.

À medida que o curso universitário de Rindzela acabava, o momento da despedida se aproximava. A residência universitária, que por um ano abrigou as risadas, as lágrimas e os entrelaçados cabelos crespos das duas amigas, estava prestes a perder um pouco da sua essência.

A despedida foi dolorosa, pois para Xhuria e Rindzela, se desvincular emocionalmente era uma tarefa árdua. Um ano acadêmico de partilhas de histórias, cuidados com os cabelos, e uma troca única entre duas almas que encontraram conforto e irmandade uma na outra.

Ao deixar a residência para retornar ao seu país, Rindzela levou consigo as lembranças preciosas de uma amizade que transcendia fronteiras e culturas. O adeus foi difícil, a Rindzela partiu com o coração apertado, esperando que Xhuria continuasse a trilhar seu caminho com mais otimismo e determinação.

A amiga mais velha, que desempenhou papéis de irmã, amiga e mãe na vida de Xhuria, tinha a esperança de que Xhuria, a jovem que carregava consigo as marcas de uma infância difícil, encontrasse sua mãe um dia. Rindzela desejava que este reencontro pudesse preencher os vazios deixados ao longo da vida de Xhuria, proporcionando-lhe o afeto e o cuidado que tanto necessitava.

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