E SE FÔSSEMOS UNIDOS OU NOS CURÁSSEMOS....?
Cada tema ou assunto que me proponho a refletir é uma viagem a um mundo que pouco conheço, no entanto, convivo e vivo nele direta ou indiretamente; a ideia de refletir a partir de textos traz em mim a possibilidade de ver outras realidades e abordagens sobre o que preciso construir e desconstruir em mim, para garantir uma vivência humanizada. Não tenho respostas, no entanto, abro em mim a possibilidade de olhar de forma distante e imaginária as questões da humanidade que têm dificultado nossa vivência.
A reflexão de
hoje será composta na sua maioria de questionamentos e histórias conectadas; vejo
que o assunto em causa foi abordado, ou é abordado indiretamente nas leituras
recomendadas nos textos publicados anteriormente. Vamos refletir sobre
nossas relações familiares a partir de nossas feridas rejeitadas ou não
assumidas.
Mulheres e
Homens, vocês já se deram conta de que ao longo da vida desempenhamos papeis de
filhos, mães, pais, tias, tios, cunhadas, cunhados, noras, genros, sogros e
sogras? Parece que todos nós teremos, de forma faseada ou conjunta, de
desempenhar todos esses papeis, mas como estamos a desempenhar o nosso papel
atual? E como o passado e o presente influenciam nos papéis que teremos que
desempenhar no futuro?
Hellinger
afirma que todos, ou a maioria, tem a criança interior ferida. Miguel
Mello mostra que nossa infância está marcada pela educação e diversas
influências sociais recebidas na escola, igreja, etc…como adultos somos
condicionados a tais influências e elas determinam as nossas vidas. Se tivemos
muitas restrições, punições ou feridas emocionais, a criança ferida pode parar
de se desenvolver, se encapsular, e deixar de sentir a liberdade de ampliar o
gesto existencial. Repetimos muitos padrões familiares da infância nos nossos
relacionamentos, nossas carreiras e nas nossas próprias famílias.
Minha mãe conta
sempre que sua infância foi marcada por muito sofrimento e restrições, em
alguma fase de sua vida, seus pais se separaram e ela teve que passar de tia em
tia (irmãs do pai) que se predispunham a viver com ela. Entretanto, nessas idas
e vindas, as coisas não foram um mar de rosas (recomendo que leia o texto: “As
dores da rainha são minhas?”). A partir da relação turbulenta que teve com as
tias, quando teve seus filhos, minha mãe não gostava – ou temia – que os filhos
vivessem na casa dos tios ou os visitassem por muito tempo; ela temia que sua
infância se repetisse na vida dos seus filhos.
Minha mãe
casou-se com meu pai que, por sinal, também teve uma infância sofrida. Meu pai
viu sua mãe sendo traída e agredida pelo seu pai; cresceu sem aceitar o
comportamento do pai, no entanto, inconscientemente, reproduziu o comportamento
e as atitudes que seu pai teve para com a sua mãe (Recomendo que leia o texto: “Meu
pai não foi meu herói, mas ensinou-me muito sobre a vida”).
Talvez minhas tias, assim como meu pai, por
terem visto a sua mãe a sofrer nas mãos das cunhadas (irmãs do pai) e do pai
(meu avô), deduziram que, consequentemente, a esposa do irmão – neste caso
minha mãe – tem que ser tratada como a sua mãe foi tratada pelo meu avô.
Devido a esta
carência afetiva, minha avó projeta em seus filhos homens à imagem de homem
protetor e confidente, com quem desabafa as lamúrias da sua infância e do seu
casamento frustrado.
Posso afirmar
categoricamente que a intenção da minha avó ao contar e desabafar com os
filhos, não era, nem é, de projetar nos filhos à imagem de um pai e marido fracassado,
porque das vezes que seus filhos se revoltam com o pai devido ao seu
comportamento, ela é a primeira a dizer – “Não importam os erros que ele
cometa, ele é vosso pai, e pai não se troca é para vida toda. Respeitem e
honrem o vosso pai”.
Mesmo com estas
palavras sinceras, a minha avó projeta, quiçá de forma inconsciente nos meus
tios, e nesta senda no meu pai, a imagem de um homem que a honrará e a cuidará
de um jeito que seu marido não foi capaz de o fazer. Esclareço que minha avó
quer ser honrada como mãe, mas tem também o desejo de ser honrada como mulher e
esposa.
Adianto dizer
que minha mãe é projetada pela minha avó como uma espécie de rival. Existe uma
rivalidade sútil e não declarada entre elas. Nesta relação ninguém é santa ou
culpada. Mas qual é a origem de todos esses relacionamentos falidos e
tenebrosos para todos nós?
Voltando ao hellinger,
e citando uma passagem do livro “Ordens do Amor” o psicanalista alude que no
seio das famílias, existe uma forte tendência de pessoas se apegarem a coisas
do passado, a lembranças de experiências boas e más. Quando os membros se
agarram a algo que deveriam esquecer, o passado escraviza-os e continua a
imiscuir-se negativamente no presente. Uma vez que o velho não pode fenecer, o
novo encontra dificuldades em firmar-se. É preciso uma rígida disciplina para se
sair desse emanharamento sistémico e permitir que o que tem de terminar
termine. Todos os membros da família devem desevencilhar-se de alguma coisa,
positiva ou negativa, tão logo cesse seu efeito benéfico.
Com estes
dizeres de Hellinger, percebo que todos que fazem parte do meu sistema familiar,
inclusive eu, precisamos curar nossas crianças feridas e nossas dores emocionais,
para que projetemos dentro do sistema familiar relações saudáveis e humanas. Minha mãe precisa curar sua criança que
foi maltratada e a falta de proteção que experimentou de quem a devia proteger.
Meu pai e suas
irmãs talvez precisam perdoar, aceitar e ou experienciar a gratidão pelo pai,
sem que isso signifique concordar com seu comportamento. Eles precisam sentir
empatia, amor e cuidar da mãe, sem que isso signifique assumir o papel de meu
avô, porque esta postura está de alguma forma a machucar a minha mãe, e a
postura, tanto dela quanto dos demais membros do sistema, cria um estranhamento
entre eles.
Então como
podemos melhorar o desempenho de nossos papeis dentro do nosso sistema
familiar? Acho que este assunto é tratado por Sri Prem Baba nos livros “O Propósito:
A Coragem de Sermos Quem Somos” e no livro “Amar e Ser Livre: As Bases Para Uma
Nova Sociedade”.
No primeiro
livro citado, o autor, assim como Helliger e Mello, aborda a criança ferida. O
autor sinaliza que as restrições que a criança vai sofrendo a desvincula de sua
identidade e cria um falso eu. Esse eu se esconde por detrás de amortecedores e
mecanismos de defesas e seus infinitos desdobramentos. Para o autor, os
principais mecanismos que o ego utiliza para manter a falsa identidade são as
matrizes do eu inferior que podem ser:
A gula – que
representa todo tipo de voracidade ou compulsão que podem ser: comer; comprar; fazer
sexo etc…. A ideia inconsciente de que engolir ou consumir determinadas coisas cria
a ilusão de que saciaremos as carências e o vazio existencial.
A preguiça –
que é a paralisação daquilo que precisa ser feito por causa de sentimentos
suprimidos e congelados no sistema. A preguiça se manifesta de forma passiva ou
ativa. Na forma passiva a pessoa não consegue fazer o que tem que ser feito, e
na forma ativa a pessoa faz muitas coisas, menos aquilo que precisa ser feito.
A avareza – a
pessoa se protege por detrás daquilo que acumula. Alguns se escondem por detrás
do dinheiro ou de coisas enferrujadas.
A inveja- que é desejo de destruir o outro por
acreditar que ele é superior. A pessoa não acredita ser capaz de chegar aonde o
outro chegou e então precisa rebaixa-lo.
A ira – que é
uma extrema reatividade diante das situações. A pessoa acredita que falar mais
alto que o outro, ou ser indiferente aos sentimentos do outro estará protegido.
Transmite a ideia de ser corajoso, no entanto morre de medo.
O orgulho – a
pessoa usa a superioridade para sentir-se protegido. O orgulho é o mais
complexo porque pode se manifestar de maneiras diferentes que são: vaidade; soberba; timidez; complexo de inferioridade
ou superioridade, o vitimismo e a falsa humildade.
A luxuria- que
é a necessidade de obter o poder através da energia sexual ou o uso da sedução
que pode ocorrer de diversas formas.
O medo – O medo
está na base da estrutura do eu inferior, dando a ilusão de que somos carentes.
A mentira – não
é apenas aquilo que contamos para sairmos bem na foto, a maior mentira é aquela
que contamos para nós mesmos: mentir sobre nossa real identidade.
Descrito isto,
é visível que para melhorarmos nossos relacionamentos dentro do sistema
familiar, precisamos identificar que matrizes, mecanismos de defesa e
amortecedores estamos usando para nos proteger e, a partir disso, trabalharmos
para que finalmente possamos experienciar o amor e a liberdade dentro do nosso
sistema.
Recorrendo ao
livro “Amar e Ser Livre”, o autor nos mostra que, para bloquearmos estes
amortecedores que nos impedem de experienciar o amor e relacionamentos
saudáveis, devemos examinar nossas insatisfações, identificar nossos
prazeres e desprazeres, tomarmos consciência das nossas fantasias ou tendências
sexuais.
A cura é um
processo gradual que precisa de determinação, muita paciência, humildade e
compaixão. Neste caso, de acordo com o autor, é
necessário estarmos constantemente renovando os votos, sabendo que de vez em
quando vamos cair. O processo de crescimento e amadurecimento da nossa criança
ferida não ocorre de uma hora para outra, ela se dá de forma orgânica e natural.
Caros leitores,
dito tudo isso, que geração de filhos, pais, mães, noras, genros, sogras,
cunhadas, cunhados e avôs queremos ser?
Acham que a
forma como temos nos relacionado dentro dos nossos sistemas familiares é
sustentável?
Quem em nós
está se relacionado com o outro – A nossa criança ferida ou o nosso eu adulto
que tem consciência de suas atitudes?
Gostou do texto? escreva um comentário............
Gostei do texto sim. Extremamente intenso...Reconhecemo-nos nessas feridas que nos abriram...Nessas feridas que nos apodreceram e hoje muitos nao conseguimos suportar o cheiro porem parece dificil fazer a devida limpeza e dar outros aromas...
ResponderExcluirOshorola 😊 obrigada por comentar aqui no blog humanidade. Muita verdade. A cura leva tempo, estamos todos a lutar com estas feridas, e essa nossa tentativa de esconde-las e rejeita-las faz-nos temermos a profundidade... Parece que para a vida ao nosso redor seja sustentável devemos buscar a cura.. É um processo....
ExcluirBravo.
ResponderExcluirParabéns, por mais uma partilha! De facto todos carregamos algumas lembranças Ou feridas.
A criança ferida , pode permanecer com sequelas durante anos constituindo uma forte barreira para um vida mental saudável.
O que se pode fazer é assumir o passado da criança ferida e centralizar-se no futuro. Pois o passado não pode ser mudado . Mais o futuro sim, podemos tomar novas atitudes.
#A cura é um processo 👏👏👏
Siena.. Estamos ou deveríamos todos engrenar nessa viagem para a cura. Talvez isso garanta que possamos nos relacionar melhor dentro dos nossos sistemas familiares e de amizade.... Obrigada por estar aqui comigo nesta viagem reflexiva
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